Tipos de Cerveja
Barrel aged: a cerveja que envelhece

Se a maior parte dos antigos cervejeiros descobrisse que os seus sucessores procurariam, propositadamente, juntar os sabores das barricas de madeira à cerveja, talvez ficassem confusos. Mas não há razão para alarme. Nas cervejas, como na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Fica a saber o porquê.

 

Até às primeiras décadas do século XX, para armazenar e transportar a cerveja, tal como qualquer outro líquido, eram necessárias barricas de madeira, normalmente carvalho. Tratavam-se de recipientes pesados e robustos, construídos para aguentar a pressão da carbonatação. Alguns, inclusive, tinham de o fazer durante longos meses de viagem, como é o caso das barricas que transportavam a cerveja IPA até à Índia .


Nesses tempos, a principal preocupação dos mestres cervejeiros era evitar que a madeira alterasse o sabor da cerveja. A partir do século XIX, estes esforços intensificaram-se, sendo as barricas lavadas vezes sem conta com água a ferver e ácido clorídico, para retirar o sabor da madeira.


Apenas as barricas consideradas neutras, ou seja, cuja madeira não influenciava o sabor da bebida, eram válidas para armazenar cerveja. Para evitar sabores indesejados, alguns fabricantes chegavam mesmo a revesti-las com uma resina escura extraída das coníferas, que minimizava o sabor a madeira e fugas de líquido.


Contudo, fruto da modernização da indústria, tudo isto mudou no início do século XX, quando o aço substituiu a madeira como elemento nuclear no armazenamento e transporte da cerveja. A novidade foi bem recebida pelas cervejeiras, que assim baixaram os custos e puderam controlar, em maior detalhe, a qualidade da bebida.


Mas a tradição de envelhecer a cerveja em barris de madeira não ficou esquecida, e permaneceu em alguns estilos, como o estilo Lambic. Esta Wheat Beer belga continuou a ser desenvolvida a partir de técnicas de fermentação medievais, seguindo as tradições anteriores à descoberta da levedura.

Desenvolvidas em Bruxelas e na região de Payottenland, no coração da Bélgica, as Lambic são cervejas complexas, de fermentação espontânea, e cada vez mais raras. Produzidas entre outubro e abril, para aproveitar as temperaturas baixas, as Lambic são resultado do conhecimento cervejeiro milenar e que pouco mudou com as inovações da indústria. No entanto, algumas inovações não deixam de surgir, e hoje os cervejeiros belgas chegam mesmo a utilizar barricas de carvalho dos produtores de vinho franceses para armazenar as suas cervejas, dando-lhes outros sabores complexos e intensos.

Do antigo se fez novo

Nas cervejas, como na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Este pensamento influenciado por Lavoisier assenta bem às cervejas Barrel Aged. Um século após a madeira ter sido praticamente descontinuada na produção de cerveja, muitos cervejeiros reintroduziram os barris na indústria, mas com propósitos diferentes. O grande objetivo agora é precisamente que a madeira influencie o sabor e aroma da cerveja.


São vários os tipos de madeira que podem ser utilizados neste processo: castanheiros, freixos, choupos, cedros, acácias, ciprestes, pau-brasil, pinho e até eucalipto. Ainda assim, é o carvalho o dono e senhor deste universo.


Forte, durável, estanque e com uma grande longevidade, a madeira de carvalho há muito que é eleita pelos cervejeiros e especialistas de outras bebidas alcoólicas para armazenar os seus líquidos. A sua estrutura flexível é considerada essencial para a construção das aduelas que, unidas entre si, dão lugar ao barril.

O tamanho conta, a limpeza também

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Ao produzir cervejas Barrel Aged, todos os pormenores contam. Incluindo o tamanho da barrica. A maioria dos cervejeiros prefere uma barrica de 219 a 227 litros, mas as de tamanhos mais pequenos, quando usadas em quantidade, proporcionam um maior contacto entre o carvalho e a cerveja. Logo, existe maior difusão de oxigénio e um sabor mais intenso.


Também o modo como se limpam as barricas pode influenciar a produção das próximas cervejas. Os métodos mais comuns de limpeza são a água, vapor e lavagem à pressão. De qualquer modo, todas estas técnicas afetarão as próximas cervejas ali armazenadas.

Cada carvalho, o seu sabor

A complexidade das cervejas Barrel Aged vai muito além da utilização de barricas de madeira para influenciar o sabor da bebida. É que cada madeira tem o seu próprio sabor, que é influenciado pela espécie de carvalho em causa, pelo local onde cresceu, ou idade que a árvore atingiu.


Forte influência tem também a forma como a barrica foi trabalhada, o que inclui o tempo de cura das aduelas ou até mesmo o terroir do local de cura ao ar livre. Muitos destes sabores e aromas refletem o impacto de um composto conhecido como “lactona”, que vai proporcionar, através do carácter da madeira, características complexas e únicas a cada cerveja.


Estes compostos derivam dos lípidos existentes na madeira de carvalho e podem dar às cervejas maturadas em carvalho um aroma a côco, nomeadamente no que toca ao carvalho americano. Outros aromas associados a este carvalho são a baunilha, dente de alho, canela e terpenos frutados e florais.


Também o carvalho francês proporciona aromas e sabores únicos à cerveja. Trata-se de uma madeira mais porosa que a do carvalho americano, e por isso permite uma difusão de oxigénio mais heterogénea e que tem um efeito imediato na cerveja, sobretudo nos seus sabores mais ácidos ou avinagrados.


À medida que as cervejas envelhecidas em barricas de madeira, ou Barrel Aged, se tornaram mais populares, muitos cervejeiros procuraram novas maneiras de modificar e melhorar o seus sabores que fossem para além da própria madeira. Foi nos Estados Unidos que, “ajudados” por uma lei que impede os produtores de bourbon de reutilizarem os barris de madeira, os cervejeiros começaram a adquirir estes recipientes para armazenar a cerveja, sobretudo do estilo Stout e Barleywine.


O resultado? As cervejas ganharam toda uma nova camada sensorial complexa e deliciosa, trazida pela madeira onde o bourbon já tinha estagiado. E foi assim que, aos poucos, o mercado procurou barricas de madeira de outras bebidas como whisky, brandy, sherry, ou até mesmo vinho do porto, para dar sabores e aromas mais ousados à cerveja.

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A Super Bock lançou, no final de 2020, a sua primeira cerveja envelhecida em barricas de madeira de carvalho francês e americano, uma Premium Lager, sob a chancela da submarca Selecção 1927.

Podemos então concluir que, se produzir cerveja é uma arte milenar, a produção de cervejas Barrel Aged leva esta sabedoria intemporal ao expoente máximo. É que, quando se junta tradição e inovação, a mestria de uma cerveja perfeita acontece. Estás com curiosidade para sentir estes aromas e sabores? Segue as pistas deste artigo e parte à descoberta.

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