A Stout e a Porter são as cervejas pretas com maior notoriedade nas últimas décadas no mundo, mas nem sempre foi assim. No reino das cervejas pretas, a tradição continua a falar alemão e a Schwarzbier e a Munich Dunkel dão cartas na longevidade, originalidade e capacidade de resiliência.
Neste artigo damos-te a conhecer a história, os sabores e diferenças entre estas duas cervejas lager que, apesar da aparente semelhança no copo, têm perfis distintos e pedem ocasiões e harmonizações únicas.
Munich Dunkel e Schwarzbier são estilos de cerveja tão antigos que é difícil perceber qual dos dois nasceu primeiro. É provável, porém, que a Schwarzbier seja a mais velha das duas - aliás, há quem acredite que é o estilo cervejeiro mais antigo a ser produzido continuamente em todo o mundo. Isto porque, nos trabalhos arqueológicos desenvolvidos num túmulo celta situado a 11 quilómetros de Kulmbach, no norte da Baviera, foi descoberta uma ânfora com restos de uma cerveja preta e pedaços de pão parcialmente cozidos. Refira-se que, há 3 000 anos, segundo os historiadores, o cozimento do pão seria o início do processo de fermentação de cerveja.
Ainda hoje se produz cerveja preta Kulmbach, pelo que aquela seria, provavelmente, uma cerveja antecessora da Schwarzbier atual. Ainda assim, tivemos de esperar pelo ano de 1174 para que o primeiro centro de produção de cerveja em Kulmbach fosse documentado. E com ele, a primeira Schwarzbier.
Se a Schwarzbier poderá ser a cerveja preta mais antiga do mundo, a Munich Dunkel possui um antepassado próximo, ainda que tenha seguido uma linhagem diferente. Um estilo próximo da Munich Dunkel atual terá sido produzido, pela primeira vez, por monges beneditinos que se estabeleceram em Munique no século XII. O estilo ganhou forma com a ajuda das duas leis mais conhecidas do mundo cervejeiro. A primeira é a famosa Lei da Pureza Alemã, de 1516, através da qual a cerveja apenas podia ser produzida com malte de cevada, lúpulo e água (a levedura ainda não tinha sido descoberta).
A segunda lei, datada de 1553, proibia a produção de cerveja no verão, de modo a controlar a sua qualidade. Desta forma, apenas entre o dia 29 de setembro e 23 de abril os mestres cervejeiros podiam trabalhar nas suas criações. As duas leis tiveram frutos e a cerveja alemã tornou-se reconhecida em todo o mundo, o que beneficiou a evolução da Dunkel ao longo dos séculos.
A transição para a Dunkel moderna deu-se por volta do década de 1830, com a ajuda das ideias de Gabriel Sedlmayr II e da cervejeira Spaten, que se inspirou nas tradições belgas e inglesas para refinar as suas próprias técnicas de produção, nomeadamente a secagem do malte e extração dos açúcares fermentescíveis durante a brassagem. Sedlmayr II não só melhorou a sua receita de Dunkel mas também revolucionou o próprio estilo, uma inovação que perdura até aos nossos dias.
Denominada “Black European Lager” pelo Beer Judge Certification Program (BJCP), a Schwarzbier significa, literalmente, “cerveja preta” na língua alemã. Em comparação com a Munich Dunkel, é uma cerveja mais escura, mais seca no palato e com um malte tostado - mas não exageradamente. Curiosamente, e entre os vários estilos de Dark Lager, a Schwarzbier é a única que tem um sabor tostado, ainda que moderadamente. Por vezes, é também chamada de Pilsner preta - porém, não esperes comparações com a Stout ou a Porter.
No copo, a Schwarzbier tem uma aparência castanho escura, mas não é totalmente preta. Não é invulgar o aparecimento de um tom rubi, que sobressai numa cerveja límpida e com uma espuma cremosa. Trata-se de uma cerveja seca, característica da utilização de maltes torrados. No entanto, existe um equilíbrio entre os aromas e sabores a café, chocolate e toffe, podendo até encontrar notas de caramelo. O corpo médio a médio-baixo realça os sabores e aromas do malte, sendo a presença de lúpulo média. Na Schwarzbier não há aspereza, adstringência ou amargor. Trata-se, na verdade, de uma cerveja tão suave como fácil de beber.
Com um teor alcoólico entre os 4,4% e os 5,4%, a Schwarzbier tem como ingredientes base o malte Munique e Pilsner.
Em alemão, Dunkel significa “escuro”. De qualquer modo, esta Dark Lager não engana: se até podes encontrar uma ou outra marca de Munich Dunkel com um tom castanho claro, a versão mais escura desta cor impera. Basta verteres, por exemplo, num copo Teku uma Munich Dunkel Selecção 1927, da Super Bock, para perceberes a ligação entre a semântica do que te dizemos e a prática.
Nesta cerveja, os aromas e sabores pronunciados de malte sobressaem ao amargor seco e moderado do lúpulo. Dominada pelos sabores ricos e complexos do malte Munique, trata-se, ainda assim, de uma cerveja equilibrada entre a doçura do malte e o amargor do lúpulo, com um corpo leve a moderado. As versões mais clássicas podem apresentar aroma de chocolate, malte tostado, nozes, caramelo, pão e biscoito. Isto deve-se à utilização de malte Munich escuro.
Apesar de trazer a cidade de Munique no nome, a Dunkel é popular em toda a região da Baviera. A sua espuma cremosa pode variar de cor, do claro até ao bronze, e o seu teor alcoólico situa-se entre os 4,5% e os 5,6%.
A Schwarzbier e a Munich Dunkel trazem à tona a história da cerveja na Europa, por isso aconselhamos-te a experimentar assim que possas. Nessa altura podes perceber, por ti próprio, as suas diferenças marcadas. Ao conforto da Munich Dunkel, cujas notas complexas se deixam descobrir a cada gole, contrapõe a Schwarzbier com o seu retrogosto seco, uma espécie de Guinness Stout com fermentação Lager.
Para te aguçar o desejo, deixamos-te uma curiosidade. Quando se encontrava adoentado, o grande poeta alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) tinha sempre um copo de Schwarzbier na mesa de cabeceira. Não é algo que te recomendamos fazer, mas fica mais uma nota histórica da importância da cerveja nos últimos séculos, na Europa central. Uma peça do intrincado puzzle cervejeiro que chegou até aos nossos dias.
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