A cerveja está nas fundações de Barcelona, literalmente. A cidade é conhecida por ter os mais antigos vestígios de armazenamento de cerveja de toda a Europa e promove um dos festivais com maior variedade de cervejas artesanais.

Existem dois filmes icónicos que têm Barcelona como cenário: A Residência Espanhola, de Cédric Klapisch, e Vicky Cristina Barcelona, a homenagem de Woody Allen à Cidade Condal. Cada um mostra uma cidade diferente, com ritmos, protagonistas e histórias distintas. As duas têm um ponto em comum, porém. A descontração, quase leveza, com que os catalães, assim como os protagonistas principais dos filmes, vivem as suas rotinas.

É difícil não percebermos os ares de Barcelona assim que chegamos ao Aeroporto de El Prat. O contágio é imediato. Há algo na cidade que nos faz parar, relaxar, respirar. Algo que paira acima das nuvens, como que nos dizendo para degustarmos uma cerveja com Vicky, Cristina ou Juan António, numa das centenas de esplanadas da cidade.

Não é à toa que os catalães, como os restantes espanhóis, têm uma grande paixão pela sua cerveza. Os dados mostram que Espanha está no top 5 dos maiores produtores europeus da bebida, e que a indústria representou 1,3% do PIB no ano passado. Mas não são precisos gráficos para comprovar o que os olhos veem assim que se chega à Catalunha: bares e restaurantes em cada esquina, com as mesas cheias de canyas, a palavra catalã que equivale ao nosso fino ou imperial.

Se for este o segredo da leveza natural de Barcelona, há muito que ele foi desvendado. A cidade sempre teve uma ligação muito especial à cerveja. Em 1999, essa ligação ganhou um sabor especial. Literalmente. Na Cueva de Can Sadurní, local de interesse arqueológico a 30 quilómetros do centro de Barcelona, foram encontrados os mais antigos vestígios de armazenamento de cerveja de toda a Europa, que remontam ao Neolítico (5.000 - 3.000 a.C.).

Para brindar à descoberta, em 2014 o mestre cervejeiro Daniel Fermun criou a Encantada, uma cerveja inspirada na fermentação natural usada por estes antepassados e que mistura vários ingredientes: mel, frutos silvestres, artemísia ou tomilho. É possível provar a Encantada na Cueva de Can Sadurní e, ocasionalmente, em alguns espaços no centro da cidade.

Se, por acaso, encontrares Daniel Fermun em Barcelona, paga-lhe uma cerveja (mas deixa-o recomendar qual). Figura central na cena cervejeira artesanal de Barcelona, o sommelier criou a sua própria marca - Fermun Beers -, e está ainda ligado ao La Cervesera Artesana. Inaugurado em 1996, o espaço localiza-se perto da famosa Casa Milà, de Gaudi, e foi o primeiro totalmente dedicado à cerveja artesanal em Barcelona. Ali, poderás assistir à produção de 10 tipos de cerveja diferentes e tens à disposição uma extensa carta de mais de 100 cervejas criteriosamente escolhidas, incluindo algumas importadas, disponíveis em garrafa ou barril. Há boa comida para forrar o estômago e, por vezes, também há música ao vivo.

Quem viajar para a capital da Catalunha em meados de março, terá a sorte de apanhar o Barcelona Beer Festival, que reúne cerca de 600 marcas e tipos de cervejas artesanais no La Farga, em L'Hospitalet de Llobregat. Não sendo possível, há vários bares com uma oferta interessante de cerveja para conhecer. Um deles, Cervecería Jazz (Calle Margarit, 43), combina a boa música com uma carta de cervejas locais e importadas. Já na zona de Barceloneta, encontras o BlackLab Brewhouse (Plaça Pau Vila, 1), projeto de um norte-americano, Matt, e de uma espanhola de ascendência chinesa, Jing, que se dedicam a criar cerveja e a combiná-la com comida de inspiração americana e asiática.

Na zona da universidade de Barcelona, não te deixes assustar pelo ar mecânico e vazio do Garage Brew Company (Carrer del Consell de Cent, 261). É até lá que, desde 2015, se deslocam os locais para degustar a cerveja que estreia a cada mês. A poucos metros fica o BierCaB (Carrer de Muntaner, 55), decorado em tons de madeira e com 30 torneiras de cerveja cuidadosamente selecionadas (incluindo sem glúten).

A capital da Catalunha é ainda o berço das cervejas Estrella Damm e a Moritz. E se há muitos pontos que as unem, cada cerveja tem uma história e um sabor que é só dela. A primeira, criada por August Kuentzmann Damm em 1876, junta malte, arroz e lúpulo e foi pensada para o clima mediterrânico. Damm, que morreria um ano mais tarde, não assistiu ao crescimento da marca. Hoje, é possível visitar a fábrica em El Prat de Llobregat, situada a cerca de meia hora de Barcelona.

Mais antiga é a Moritz, criada em 1856 por Louis Moritz Trautmann. A fábrica abriria oito anos mais tarde, no bairro El Raval, e a produção em grande escala permitiu que o resto do país pudesse saborear esta Lager com notas de malte doce e cereais. Desde 2011 que se pode visitar. Aproveita para conhecer a remodelação artística desenvolvida pelo prestigiado arquiteto Jean Nouvel e descobrir um espaço que tem na gastronomia o seu ex-libris: restaurante, um bar de vinhos, uma padaria e uma microcervejaria onde se produz cerveja fresca, pronta a beber. Apesar das filas à porta, vale bem a espera.

Barcelona sempre impressionou pelas grandes obras arquitetónicas e pelos mosaicos coloridos de artistas como Gaudí. De canya em canya, a cidade deixa-nos agora gravados no paladar os muitos sabores a lúpulo e a malte, mais a certeza de querer voltar para descobrir mais.